Smart Contracts, ou contratos inteligentes na tradução para o português, são códigos de programação inseridos na Blockchain e que especificam as condições e cláusulas de contratos de negociação, sem a atuação de agentes mediadores.
Quando as condições são cumpridas e devidamente verificadas pelos usuários validadores (chamados de nós) que compõem a Blockchain, é dado o próximo passo. Isso pode ser a liberação de um determinado ativo, o pagamento a um fornecedor ou o câmbio de moedas digitais, por exemplo.
Dessa forma, os smart contracts executam de forma automática um programa previamente definido e foram desenvolvidos para facilitar, efetivar e proteger especialmente as operações financeiras registradas em blockchain.
A história dos Smart Contracts
O conceito remete à década de 1990, quando Nick Szabo (jurista e criptógrafo norte-americano) falou pela primeira vez sobre contratos inteligentes, em seu blog pessoal, nos seguintes termos:
O smart contract é um protocolo de transação computadorizada que executa os termos de um contrato. O objetivo geral de um smart contract é satisfazer condições contratuais comuns (tais como pagamento, garantia, confidencialidade e até mesmo cumprimento), minimizando objeções tanto maliciosas quanto acidentais, e minimizar a necessidade de terceiros intermediários confiáveis. [1]
No ano de 1996, foi autor de um dos primeiros artigos científicos sobre o tema, com o título “Smart Contracts: Building Blocks for Digital Markets”.
Mas apenas com o desenvolvimento das blockchains é que a aplicação dos smart contracts encontraram seu espaço. Isso aconteceu em 2014, quando a rede Ethereum lançou a primeira plataforma de criação de contratos inteligentes.
Smart Contracts e Blockchain
Contratos inteligentes não seriam possíveis sem a existência da blockchain. Isso porque a blockchain é um banco de dados com registro à prova de fraudes, que atua de forma distribuída em uma rede descentralizada.
Ela opera como um grande livro de registro digital que armazena os acordos pré-determinados (smart contracts). Uma nova transação é sempre criada quando um valor ou uma informação é trocada entre os usuários. Os dados dessa transação são então armazenados em blocos, que por sua vez, estão ligados ao bloco anterior, formando a blockchain (cadeia de blocos).
Mas para que um dado seja gravado na blockchain é necessário o consenso dos participantes da cadeia. Em caso de adulteração da informação ou dados serem deletados, a ação é visível e facilmente identificada pelos outros membros, que a rejeitam. Isso garante a manutenção de um registro seguro e inviolável das informações.
Para saber mais sobre blockchain e seu funcionamento, acesse o artigo da Blockcstais.
Detalhando os Smart Contracts
Vimos que os smart contracts são contratos digitais autoexecutáveis e imutáveis, que fazem uso da tecnologia para assegurar o cumprimento de acordos firmados entre os envolvidos.
Todas as regras são redigidas em códigos de programação, sejam elas as obrigações, benefícios ou penalidades previstas. Trata-se, portanto, da formalização, em formato digital, dos compromissos assumidos em comum acordo.
Uma vez que as condições estabelecidas são cumpridas, o contrato é executado automaticamente, dispensando a necessidade de intermediários para garantir essa execução.
Os contratos digitais são programáveis, de forma que a inteligência do código-fonte depende exclusivamente da capacidade dos seus criadores. O que diferencia o smart contract de um programa comum é a sua capacidade de execução autônoma, sem a necessidade de intervenção humana.
Contudo, ainda que extremamente seguro, não é possível dizer que seu mecanismo nativo seja 100% à prova de falhas, especialmente porque depende de uma escrita correta do código-fonte.
A partir de um clique, as partes confirmam que entraram em acordo e automaticamente as exigências são ativadas. Isso torna mais fácil a cobrança e o acompanhamento dos processos.
Mas também é preciso salientar que, dado que não é possível impedir ou censurar posteriormente as instruções contidas no contrato, as consequências podem ser desastrosas para um usuário desatento. Por isso é muito importante que as partes envolvidas estejam cientes e comprometidas com o acordo firmado.
A validação das regras é dada pela blockchain, que garante a segurança criptográfica e a imutabilidade dos dados. Mesmo um simples erro de digitação, obriga o administrador a criar um outro contrato.
Por meio dos smart contracts, fluxos de trabalho são automatizados a fim de evitar riscos (contraparte, liquidação) ou a necessidade de intermediários.
Os contratos inteligentes seguem instruções simples, que precisam ser escritas de modo claro e objetivo, como:
Se/quando […condição…] então […ação…]
As ações são executadas pela rede somente quando as condições prévias são devidamente atendidas e verificadas.
Tais ações podem dizer respeito a liberar fundos, registrar um veículo, transacionar um NFT, enviar notificações, registrar multas, entrega do valor mobiliário tokenizado, pagamentos de dividendos, entre outras. É o mesmo princípio das vending machines (máquinas de venda de bebidas e alimentos, por exemplo), que contam com softwares para identificar a compensação de crédito para que o produto seja liberado.
Nos contratos inteligentes pode haver quantas condições forem necessárias para garantir aos envolvidos que a tarefa será devidamente concluída. Para isso, os participantes devem determinar e concordar com as regras “se/quando… então…”, avaliando todas as exceções possíveis e definindo formas de resolução de disputas.
Redes Descentralizadas
Para uma correta execução de um smart contract é importante que seja publicado em uma rede descentralizada para armazenar e executar as operações. Isso porque, se for controlado por uma entidade ou grupo centralizado, o código-fonte pode ser alterado a qualquer momento.
Para entender as diferenças entre redes centralizadas e descentralizadas, veja a imagem abaixo:
Nas redes descentralizadas não existe um conjunto de servidores contratados para executar o código-fonte e armazenamento das informações. E ainda, observe que qualquer pessoa tem acesso e pode identificar cada transação de modo independente.
Com a descentralização, o poder de poucas entidades (governos, bancos ou provedores de serviço) é eliminado. Assim, temos vantagens tanto no aspecto operacional, quanto na custódia (armazenamento) dos dados ou valores.
Como criar um Smart Contract
Para a criação de um smart contract, são necessários os seguintes passos básicos:
- Negociação.
Tal como em um contrato tradicional, as partes interessadas em fechar um acordo precisam discutir as cláusulas do contrato, especialmente as que tratam dos benefícios e penalidades em decorrência de descumprimento;
- Linguagem Jurídica.
O contrato precisa ser redigido em linguagem jurídica e orientado por um advogado, para que não tenha sua validade eventualmente questionada na justiça, face à algum desacordo com o Código Civil;
- Códigos de Programação.
O contrato tradicional precisa ser adaptado à linguagem computacional. Programadores irão criar os blocos de código de acordo com as condições estabelecidas entre as partes, que serão enviados para a rede de participantes da blockchain.
Esses profissionais também farão as configurações necessárias para que a plataforma que armazena o contrato tenha acesso aos bens ou serviços relacionados ao mesmo, tornando-o efetivamente autoexecutável nas ações de bloqueio, liberação ou outra transação de bens ou serviços.
Serão necessários equipamentos com boa capacidade de processamento e conhecimento em linguagens de programação e frameworks, tais como Java e Solidity.
- Conta digital.
Para registrar o contrato em uma rede blockchain, é preciso criar uma conta na plataforma escolhida. Todos os participantes devem ter suas respectivas assinaturas digitais por meio das chaves privadas de cada um. As sequências exatas das ações previstas em contrato devem ser assinadas por todos os envolvidos.
- Wallet.
Os participantes devem conectar uma carteira digital compatível e com saldo de criptomoedas válidas para aquela plataforma para o pagamento das taxas de transação.
- Publicação.
É o ingresso dos blocos criptografados na plataforma blockchain e o seu compartilhamento com todos os nós (computadores participantes) da rede.
- Execução.
Uma vez publicado, o contrato não poderá mais ser alterado e as cláusulas podem ser executadas pelo algoritmo. Quando um evento previsto em contrato é acionado, o código é executado e ocorre a transferência requisitada.
- Validação.
Sempre que uma transação é executada (envio de valores ou dados, por exemplo), os nós irão avaliar se as regras do contrato estão sendo seguidas. Então é preciso alcançar um consenso entre esses nós (aprovação pela maioria) para que a transação seja validada e gravada na blockchain.
Cada bloco validado contém um algoritmo criptográfico que fica registrado na formação do próximo bloco. Dessa forma, alterações ou fraudes são inviabilizadas.
Vantagens dos Contratos Inteligentes
Uma vez que estão registrados em blockchain, os contratos inteligentes absorveram os mesmos benefícios daquela tecnologia, especialmente no que diz respeito à velocidade e transparência das transações. Vejamos então as principais vantagens dos contratos inteligentes:
- Precisão: os termos do contrato são claros, não deixam margem para interpretações duvidosas, evitam erros nas transações e promovem maior confiança entre as partes;
- Segurança jurídica: ao ser bem redigido e orientado por um advogado, a validade do contrato não entra em desacordo com o Código Civil e auxilia na proteção dos envolvidos em questões judiciais;
- Transparência: o contrato é estabelecido na blockchain, acessível e passível de verificação a qualquer momento pelos nós da rede, trazendo mais tranquilidade aos envolvidos e evitando possíveis disputas;
- Rapidez: tanto a elaboração como a efetivação de um smart contract costuma ser mais rápida do que nos contratos tradicionais. Além disso, sua execução é praticamente instantânea assim que as condições dos termos são atendidas, o que diminui o tempo geralmente investido em uma negociação tradicional;
- Autoexecutabilidade. A partir de uma transação requisitada e quando corretamente codificado, o programa é capaz de tomar ações, executando as cláusulas do contrato automaticamente se as condições previstas estiverem completamente satisfeitas;
- Segurança: os contratos inteligentes contam com o mais avançado recurso de segurança da informação. O armazenamento criptografado em rede Blockchain reduz a chance de fraudes, acessos não autorizados e alteração do conteúdo do contrato;
- Inviolabilidade. Implica que, depois da assinatura eletrônica de um contrato inteligente, ele passa a ser monitorado automaticamente por computadores ligados à rede de Blockchain, onde o contrato digital foi registrado;
- Eficiência: sem intermediários há menos burocracia e, portanto, maior velocidade na operacionalização dos contratos. E dado que as cláusulas são autoexecutáveis, o monitoramento ou intervenção humana nas transações é reduzida. O resultado é maior eficiência de negociação;
- Armazenamento: os contratos inteligentes são armazenados nos vários nós da Blockchain, e isso garante que nunca serão perdidos na ocorrência de algum problema com um dos nós. Além disso, os blocos mantêm registros anteriores, de modo que os contratos antigos também são facilmente recuperados;
- Redução de custos: manter contratos físicos exige mais espaço de armazenamento, além da burocracia e mão de obra para cuidar e organizar espaços físicos, custos de impressão e serviços cartorários, entre outros. Com os smart contracts, ainda que a elaboração e publicação tenha custos, em maior escala representam economia de recursos, já que as demais despesas são descartadas.
Casos de Uso
Com a evolução da tecnologia blockchain, novas plataformas passaram a permitir que os desenvolvedores criem seus próprios códigos autoexecutáveis, o que ampliou as possibilidades de aplicação da tecnologia e trouxe mais inteligência para os smart contracts.
Assim, temos que os contratos inteligentes não estão mais restritos às transações de criptomoedas. Na verdade, sua aplicação está cada dia mais diversificada.
Por estarem registrados em blockchain, vimos que os contratos inteligentes se beneficiam da segurança, agilidade e da eliminação de custos burocráticos. Aliás, quanto mais burocrático é o serviço, melhor aproveitado é o smart contract.
Dentre os diferentes setores que podem se beneficiar com a implantação dos contratos inteligentes, temos:
- Seguradoras:
As ciências atuariais criam uma base de dados que permite conhecer o grau de risco e moldar um sistema de pagamentos que pode ser integrado aos smart contracts, para liberação automática da indenização em caso de sinistro;
- Indústria automotiva:
Podem coletar informações sobre manutenção de veículos, histórico de sinistros e titularidades do bem. Dessa forma as seguradoras podem cobrar apólices conforme o perfil do motorista;
- Indústria do entretenimento:
O pagamento de direitos autorais por determinada obra, pode ser implementado pelos smart contracts para garantir sua execução todas as vezes que o item for usado para fins comerciais;
- Setor imobiliário:
Principalmente quando as transações envolvem grandes quantias, os contratos inteligentes oferecem às partes maior segurança de que todos os termos do contrato serão cumpridos. É possível pagar pelo imóvel, registrar os dados na escritura em cartório e enviar o registro de imóveis para o cliente comprador etc. Também podem ser criados triggers, gatilhos acionados quando a escritura do imóvel fica pronta e o cliente pode fechar o negócio, recebendo o restante da venda, por exemplo;
- Setor de serviços:
Os contratos inteligentes podem ser usados como forma de garantir o pagamento. Podem ser aliados a um switch que desabilita o funcionamento ou acesso, pela falta de pagamento de uma mensalidade por exemplo.
- Vendas online:
Smart contracts promovem segurança e garantia da lisura nas transações via internet entre pessoas desconhecidas, com repasse de valores aos fornecedores, emissão de notas fiscais, transferência de titularidade de ativos digitais (NFTs, tokens, criptos, etc.) ou outras ações;
- Eleições:
Resultados de pleito eleitoral podem ser registrados na blockchain e distribuídos entre os nós da rede. Assim os dados são criptografados e anônimos, e os votos ficam protegidos contra adulteração ou fraude;
- Logística:
Smart contracts oferecem uma visão ampla de todo o processo da cadeia de suprimentos, podendo automatizar tarefas e pagamentos, e distribuir informações no momento certo para pessoas específicas;
- Agronegócio:
Em uma aplicação prática considere que, se uma das cláusulas estipular que para exportação de grãos, o nível de umidade não pode exceder x% e o equipamento de aferição de umidade conectado à internet indicar que ultrapassou esse índice, a cláusula não foi atendida e o embarque não é liberado;
- Setor de Energia e Combustível:
Smart contracts podem ser aplicados para automatizar a medição do gás nos pontos de entrega e recebimento, a emissão de documentos exigidos pelos órgãos fiscalizadores ou para regular a aplicação de taxas de câmbio na compra e venda de energia;
- Tokenização:
Qualquer bem pode ser transformado em token, ou seja, sua fração digitalizada a fim de ser comercializada. Com os smart contracts e as blockchains é possível rastrear os ativos e evitar fraudes ou adulterações;
- Marketplaces:
Contratos inteligentes são usados para distribuir informações sobre compras ou outras transações, auxiliando o gerenciamento dos vendedores;
- Criptomoedas:
Campo onde seu uso é mais difundido, pois o smart contract estipula uma condição, como por exemplo uma data de execução para uma transação financeira acontecer ou o depósito de moedas para câmbio. Quando a condição é cumprida a transação é automaticamente executada;
- Aplicação descentralizada (dApp):
Smart contracts são aplicáveis em cassinos e sites de apostas virtuais; em redes sociais e a monetização de anúncios; games; NFTs; aplicativos de empréstimos com criptoativos; finanças descentralizadas (DeFi); bolsa de valores; mercado de derivativos; corretoras de criptoativos (DEX); armazenamento de dados e mídias, entre outros.
Considerações Finais
Os contratos inteligentes estão revolucionando o mundo dos negócios. Com o comércio cada vez mais globalizado, a necessidade de se estabelecer meios seguros de operar entre desconhecidos e sem intermediários fez dos smart contracts uma das soluções mais promissoras.
Transações que não precisam envolver instituições bancárias, tribunais, agências fiscalizadoras, cartórios e outros tipos de mediadores são viabilizadas para trocas fiduciárias e de moeda digital, transferência de propriedades, informações ou tecnologias ou qualquer outro item apto a ser negociado ou do qual dependa uma cadeia de produção.
Burocracias tradicionais são eliminadas, custos e morosidade são dirimidos, processos automatizados que diminuem a possibilidade de falha humana e eventuais conflitos (inclusive judiciais), segurança contra alteração dos termos ou adulteração dos produtos ou serviços.
São muitos os benefícios dos smart contracts, uma tecnologia inovadora, segura e eficiente nas negociações onde as partes podem ter a certeza imediata de um resultado esperado. Eles atuam como uma ponte entre produtor e consumidor, pois soluções são gerenciadas de forma rápida e segura, onde não há dúvidas sobre como o contrato será executado.
Com a tecnologia blockchain e seus smart contracts, novas formas de interação e negociação são possíveis. Vimos que seu potencial de uso é imenso, mas ainda pouco explorado pelo mercado. Existem ainda muitos desafios neste setor e aqueles que souberem aproveitar as vantagens da aplicação dos smart contracts sairão na frente e, certamente, irão se destacar entre seus concorrentes.
Ainda assim, para que realmente seja difundido é preciso uma evolução da infraestrutura e a decorrente mudança de paradigmas culturais e sociais para popularizar uma revolução que já está em curso.
[1] Tiago Fachini. PROJURIS. Smart contracts: o que é, como funciona e aspectos legais. Disponível em: https://www.projuris.com.br/smart-contract/ Acesso em: 14 set 2022.